Mestre Nene

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Mestre Nene

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

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Ser discípulo II

No texto passado (Ser discípulo l) eu apresentei minha concepção básica de que é ser um discípulo e aproveitei para denunciar algumas diferenças que eu tenho identificado na idéia atual sobre esse tema.
Dando prosseguimento, vou tentar ampliar um pouco mais a minha concepção acerca desse assunto apresentando algumas implicações que decorrem da escolha de ser discípulo de alguém.
Para começar, o discípulo é aquele cujo interesse é única e exclusivamente o de aprender. Nesse sentido, o seu compromisso deve ser somente com o que seu mestre tem para ensinar e o seu prazer é aplicar na vida tudo o que já aprendeu. Para tanto, abre mão principalmente de suas próprias idiossincrasias para favorecer esse processo de ensino-aprendizagem.
Por essa razão eu considero muito estranho hoje em dia quando vejo pessoas tratando o fato de serem discípulos com pompa de título, de graduação hierárquica ou de conquista. Como se existissem dois grupos distintos: os discípulos (que formam a elite do grupo, como os mais puros e autênticos, portanto com mais privilégios) e os não-discípulos (o resto! Que tem que pagar a mensalidade para sustentar o mestre, entrar mudo e sair calado). É paradoxal demais para mim, pois a maior qualidade que um discípulo deve desenvolver – caso ainda não possua - é a humildade.
Humildade vem de húmus termo que deu origem também a palavra humor (que, nesse caso, significa disposição de ânimo) e humo (que é a camada de terra rica em nutrientes e, por essa razão, própria para receber as sementes). Ou seja, fazendo uma comparação simples, posso afirmar que a humildade e a disposição de ânimo constituem o terreno fértil para semear o ensino em um discípulo assim como o humo é para a semente que se pretende fazer germinar na terra. Sem esses elementos – humildade e humor - nenhuma semente de ensino germinará ou se transformará em aprendizado para o discípulo. Por outro lado, mesmo sendo o discípulo um terreno fértil para transformar ensino em aprendizado, a vigilância quanto à manutenção de tal fertilidade (que é se manter humilde e com disposição de ânimo) deve ser constante, pois mesmo que tenha crescido árvore boa para dar fruto em determinado período, a partir do momento que faltar essa seiva de humildade e humor, será questão de tempo para que o processo todo se estanque e tal árvore seque e deixe de dar seus frutos.
Discípulo também é aquele que está sempre próximo – física e existencialmente – daquele que ele considera ser seu mestre. Do contrário, é no máximo um ex-discípulo, pois essas categorias de relação não se perenizam - assim como um casamento também não - se uma das partes não for fiel àquilo que os uniu.
A comparação que faço com um casamento é providencial porque infidelidade conjugal é denominada de adultério (ad alterum torum, que literalmente quer dizer: na cama de outra pessoa, fazendo alusão a tal infidelidade). Esse termo é o mesmo que deu origem ao termoadulteração, que tanto pode significar falsificação (no caso de documentos) quanto “viciar dolosamente a qualidade de uma coisa, juntando-lhe outras mais ordinárias que passam despercebidas à simples vista”. E é exatamente isso - adulterar o ensino - o que um discípulo não pode fazer em nenhum momento com aquilo que aprendeu com seu mestre. Na realidade, essa é a maior armadilha que pode existir na caminhada de um discípulo, pois, à simples vista muitos conceitos que o próprio discípulo desenvolve segundo suas próprias interpretações têm aparência de boa qualidade (às vezes até, aparência de melhor qualidade do que aquilo que seu mestre tem ensinado!), mas que na realidade será danoso para o seu desenvolvimento e para os demais. Portanto, estar em sintonia-fina e constante com o seu mestre, consultando-o frequentemente, é imprescindível não só para o desenvolvimento sadio do discípulo, mas também para que exista autenticidade na relação mestre-discípulo e vice-versa.
Enfim, eu nunca sugeri que alguém admitisse ser meu discípulo. Também não sei o que andam exigindo por aí para considerar alguém como tal, mas o que eu tenho registrado nesses meus textos sempre foi, até de forma inconsciente, o que eu sempre exigi daqueles que se arvoraram em tal aventura (de serem meus discípulos). Esse é o meu b-a-bá.
Está dito
Mestre Ribas
Santos, 04 de junho de 2010.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

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Ser discípulo  I
 
Considerando algumas coisas que eu ouvi em forma de perguntas ou discurso durante essa semana, resolvi escrever um pouco sobre minha concepção acerca desse tema.
Discípulo é um termo que compartilha a sua raiz etimológica com a palavra disciplina. Ou seja, ser discípulo de alguém é se submeter, de forma voluntária, a toda disciplina que esse alguém escolhido estabelece. E qual deve ser o intuito dessa submissão? Aprender para a vida. E quanto tempo leva esse aprendizado? A menos que o candidato ao discipulado desista, leva o tempo que esse alguém escolhido para exercer o papel de mestre viver, atuar ou decidir.
Eu afirmo que sou discípulo do meu mestre porque esse sempre foi o meu conceito de discípulo e, enquanto ele atuou dando aula e/ou influenciou diretamente na formação de seus alunos, eu me submeti de forma voluntária a toda sua disciplina. Não significa que nunca o questionei (faço isso até hoje se eu considerar necessário). Porém, quando porventura me sentia contrariado, acatava em silêncio o tempo que fosse necessário, confiando nele e no próprio tempo para me fazerem entender determinada atitude sua. E isso acontecia sem ninguém necessariamente saber. Só se sabia aquilo que eu já havia falado para ele pessoalmente. E é assim até hoje.
Infelizmente hoje em dia essa é uma situação muito rara. Eu conto nos dedos de uma mão aqueles em quem eu posso aplicar os meus critérios de discípulo para considerá-los como tal. O que eu vejo é uma insatisfação generalizada, uma preocupação exacerbada com graduação ou título e uma verborragia no discurso que só convence quem não me acompanha de perto ou não me conhece e nem conhece minha trajetória na capoeira.
Quem me considera uma pessoa muito radical, saiba: o termo radical vem de raiz e isso eu tenho mesmo. Daí eu afirmar que está posto o machado na raiz da árvore. Quem quiser que entenda. Estou cansado de ouvir respostas para perguntas que não são feitas e soluções para problemas que não existem.
 
Está dito
Mestre Ribas
Santos, 29 de maio de 2010.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Os primeiros Mestres formados do Mestre Ribas.

Pedro, André e Nenê
 
Aos três primeiros mestres reconhecidos por mim, na minha escola.
Estou muito feliz. Realizado.
Poucas situações na capoeira podem ser comparadas com essa oportunidade que eu tive de reconhecer o que da parte de vocês já é patente há algum tempo.
Eu me lembro da primeira vez que presenciei meu mestre fazer um reconhecimento dessa categoria na “Movimentos”, escola de capoeira da qual sou oriundo. Aliás, para quem gosta ou precisa de comparações (o que não é o caso de vocês), eu poderia até usar esse acontecimento como referência:
Foi em 1992, portanto a “Movimentos”, que foi fundada um 02/10/1982, existia há 10 anos. O Grupo Capoeira Santista existe há 11 anos.
Meu mestre, que é nascido em 07/08/1956 e começou a praticar em 1974, tinha 36 anos de idade e praticava há 18 anos na época. Eu tenho 42 de idade e estou no 24º ano de prática.
Por seu turno, quem merecidamente estava recebendo tal reconhecimento tinha 23 anos de idade e praticava capoeira há nove anos. Vocês três já passaram dos 30 de idade e possuem, pelo menos, 15 anos de prática (isso sem contar a significativa experiência internacional de cada um de vocês).
Acontece que não foi diretamente por isso que a promoção aconteceu. Na realidade, nada disso teria valor se não fosse, principalmente, pela humildade, simplicidade e qualidade da identificação e da fidelidade que vocês têm demonstrado para comigo durante todos esses anos e que não se limitam aos discursos. Ao contrário. Tudo ganha os aplicativos práticos que tal escolha voluntária demanda. Principalmente no que diz respeito à representatividade que discípulos com tais características devem ter em relação aos demais. Enfim, quero que saibam que, da minha parte, esse reconhecimento representa a renovação e o fortalecimento da minha aliança com vocês. Parabéns!
Está dito
Mestre Ribas.
Santos, 21 de dezembro de 2010